Paralelo 10, o
novo documentário de Silvio Da-Rain, tem sua primeira exibição no festival É
Tudo verdade, que aconteceu de 22 de março a 1° de abril. O longa documenta a
viagem feita por José Carlos Meirelles e Terri Aquino a uma região pouco
conhecida do Brasil, Paralelo 10 Sul, no Acre, quase na fronteira com o Peru,
região amazônica. Estreia prevista para 4 de maio.
O filme é uma incursão em profundidade ao pensamento de um
indigenista e à realidade de uma região da Amazônia. José Carlos Meirelles é um
dos mais destacados sertanistas brasileiros. Sua atuação na FUNAI foi decisiva
para a implantação da atual política de respeito à escolha dos índios que não
querem contatos com não-índios. Ele foi o criador da Frente de Proteção
Etnoambiental do Rio Envira, no Acre, próximo à fronteira com o Peru, área do
Paralelo 10 Sul.
Em 2010, ao fim de um longo período de afastamento, Meirelles retornou ao alto
rio Envira, junto com seu colega de longa data, o antropólogo Txai Terri
Aquino. Foram ministrar oficinas e reunir-se com índios aldeados e moradores da
região, com vistas a minimizar conflitos e preconceitos com relação aos índios
“brabos” que vivem nas redondezas. Paralelo 10 é um river movie que embarca com
eles e segue rio acima durante três semanas, colhendo memórias do sertanista e
observando a atualidade da questão indígena no Acre.
Cena do filme Paralelo 10 |
Afugentados de suas terras por seringueiros no
século XX, eles agora se vingam dos assassinos de suas tribos e tentam retornar
a seus territórios, pondo em questão a política de isolamento adotada pela
Funai nos anos 1980
A delicada situação dos índios
isolados no Acre, bem como em todo o país, é o eixo narrativo de Paralelo 10, documentário do carioca Silvio Da-Rin que
terminou neste domingo, em São Paulo e no Rio. Acompanhando o sertanista José
Carlos Meirelles em suas andanças pela bacia do rio Envira, Da-Rin, além de
reconstituir a trajetória de Meirelles, mostra como os conflitos indígenas da
região remontam a um passado em que a área sofreu a predatória ocupação de
seringueiros e aponta para um futuro em que a política adotada em 1987 pela
Funai, de não contatar índios isolados, pode estar com os dias contados.
Não porque
Meirelles ou o antropólogo Terri Aquino, seu parceiro nesse trabalho na bacia
do Envira, queiram. Nem porque a Funai esteja revendo sua posição ou porque as
tribos não isoladas do local ameacem invadir e ocupar as terras dos “índios
brabos”, como são chamados os isolados. Mas porque os próprios “brabos” parecem
se aproximar cada vez mais de um contato.
Chamados de brabos
pelos ataques que promovem contra as aldeias Madijá e Ashaninka, como vingança
pelas mortes que esses índios, contratados por seringueiros, infligiram aos
isolados quando queriam tomar suas terras, esses indígenas já têm panelas e
espingardas, entre outros diversos objetos saqueados de outras nações. E, o que
é de fato importante, vêm mudando de endereço, chegando cada vez mais perto de
seus antigos territórios. Ao que tudo indica, para reconquistá-los.
O difícil trabalho
de Meirelles, que já foi flechado por um “brabo” e já se viu obrigado a matar a
bala um índio isolado, quando cercado por um grupo de cem no meio da mata, é
negociar com os Madijá e Ashaninka, que se julgam vítimas dos “brabos”. “Eles
acham que os isolados vêm e matam eles por nada. Não lembram que o avô deles
matou um isolado no passado”, conta o sempre bem-humorado Meirelles. As mortes
de isolados por seringueiros, aliás, não visavam apenas as terras. Os
extratores de borracha queriam tomar dos índios também suas mulheres, já que
saíram do Nordeste sem nada além da vontade de fazer dinheiro no Acre.
Sentindo que o
contato dos isolados é questão de tempo, Meirelles, com seu bom humor, faz as
contas e conclui que o melhor é mesmo negociar enquanto pode, para evitar novas
baixas – o isolamento foi uma medida sugerida à Funai por sertanistas e
etnólogos que temiam pela vida dos brabos, vítima do contato com homens
carregados de vírus, bactérias e violência. “Não é porque o paciente vai morrer
daqui a vinte anos que nós vamos matá-lo agora”, diz o sertanista, ao final do
filme. “Mas eu tenho certeza de que esses vinte anos que eles tiveram já valeu
a pena”, segue, referindo-se ao aumento populacional dos “brabos”. O futuro é
incerto. Que, quando ele chegar, haja um braço como Meirelles para negociar.
Fonte: Revista Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário