domingo, 1 de abril de 2012

‘Paralelo 10’ expõe a complexa situação dos índios isolados.

Paralelo 10, o novo documentário de Silvio Da-Rain, tem sua primeira exibição no festival É Tudo verdade, que aconteceu de 22 de março a 1° de abril. O longa documenta a viagem feita por José Carlos Meirelles e Terri Aquino a uma região pouco conhecida do Brasil, Paralelo 10 Sul, no Acre, quase na fronteira com o Peru, região amazônica. Estreia prevista para 4 de maio.

O filme é uma incursão em profundidade ao pensamento de um indigenista e à realidade de uma região da Amazônia. José Carlos Meirelles é um dos mais destacados sertanistas brasileiros. Sua atuação na FUNAI foi decisiva para a implantação da atual política de respeito à escolha dos índios que não querem contatos com não-índios. Ele foi o criador da Frente de Proteção Etnoambiental do Rio Envira, no Acre, próximo à fronteira com o Peru, área do Paralelo 10 Sul.

Em 2010, ao fim de um longo período de afastamento, Meirelles retornou ao alto rio Envira, junto com seu colega de longa data, o antropólogo Txai Terri Aquino. Foram ministrar oficinas e reunir-se com índios aldeados e moradores da região, com vistas a minimizar conflitos e preconceitos com relação aos índios “brabos” que vivem nas redondezas. Paralelo 10 é um river movie que embarca com eles e segue rio acima durante três semanas, colhendo memórias do sertanista e observando a atualidade da questão indígena no Acre.




Cena do filme Paralelo 10


Afugentados de suas terras por seringueiros no século XX, eles agora se vingam dos assassinos de suas tribos e tentam retornar a seus territórios, pondo em questão a política de isolamento adotada pela Funai nos anos 1980
A delicada situação dos índios isolados no Acre, bem como em todo o país, é o eixo narrativo de Paralelo 10, documentário do carioca Silvio Da-Rin que terminou neste domingo, em São Paulo e no Rio. Acompanhando o sertanista José Carlos Meirelles em suas andanças pela bacia do rio Envira, Da-Rin, além de reconstituir a trajetória de Meirelles, mostra como os conflitos indígenas da região remontam a um passado em que a área sofreu a predatória ocupação de seringueiros e aponta para um futuro em que a política adotada em 1987 pela Funai, de não contatar índios isolados, pode estar com os dias contados.
Sertanista Meirelles

Não porque Meirelles ou o antropólogo Terri Aquino, seu parceiro nesse trabalho na bacia do Envira, queiram. Nem porque a Funai esteja revendo sua posição ou porque as tribos não isoladas do local ameacem invadir e ocupar as terras dos “índios brabos”, como são chamados os isolados. Mas porque os próprios “brabos” parecem se aproximar cada vez mais de um contato.

Chamados de brabos pelos ataques que promovem contra as aldeias Madijá e Ashaninka, como vingança pelas mortes que esses índios, contratados por seringueiros, infligiram aos isolados quando queriam tomar suas terras, esses indígenas já têm panelas e espingardas, entre outros diversos objetos saqueados de outras nações. E, o que é de fato importante, vêm mudando de endereço, chegando cada vez mais perto de seus antigos territórios. Ao que tudo indica, para reconquistá-los.

O difícil trabalho de Meirelles, que já foi flechado por um “brabo” e já se viu obrigado a matar a bala um índio isolado, quando cercado por um grupo de cem no meio da mata, é negociar com os Madijá e Ashaninka, que se julgam vítimas dos “brabos”. “Eles acham que os isolados vêm e matam eles por nada. Não lembram que o avô deles matou um isolado no passado”, conta o sempre bem-humorado Meirelles. As mortes de isolados por seringueiros, aliás, não visavam apenas as terras. Os extratores de borracha queriam tomar dos índios também suas mulheres, já que saíram do Nordeste sem nada além da vontade de fazer dinheiro no Acre.

Sentindo que o contato dos isolados é questão de tempo, Meirelles, com seu bom humor, faz as contas e conclui que o melhor é mesmo negociar enquanto pode, para evitar novas baixas – o isolamento foi uma medida sugerida à Funai por sertanistas e etnólogos que temiam pela vida dos brabos, vítima do contato com homens carregados de vírus, bactérias e violência. “Não é porque o paciente vai morrer daqui a vinte anos que nós vamos matá-lo agora”, diz o sertanista, ao final do filme. “Mas eu tenho certeza de que esses vinte anos que eles tiveram já valeu a pena”, segue, referindo-se ao aumento populacional dos “brabos”. O futuro é incerto. Que, quando ele chegar, haja um braço como Meirelles para negociar.

Fonte: Revista Veja

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