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A antropóloga física Eugênia Cunha dando consultoria sobre análise de ossos (Foto: Vivianni Asevedo/Ascom NUTA) |
O Núcleo Tocantinense de
Arqueologia (NUTA) da Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) está
analisando oito restos de esqueletos encontrados na Ilha dos Campos, em 2002,
próxima ao Rio Tocantins, entre os municípios de Aguiarnópolis (TO) e
Estreito (MA). Os restos, que, provavelmente, são de indígenas Guaranis,
estavam dentro de urnas – com formato oval e feitas de cerâmicas -
salvaguardadas no Sítio Abrigo Santa Helena, uma espécie de caverna formada por
paredões rochosos, lugar que foi submerso depois da construção da Usina
Hidrelétrica de Estreito.
A
antropóloga física Drª Eugênia Cunha, professora catedrática presidente da
Sociedade Europeia de Antropologia Forense e coordenadora do Mestrado em
Evolução e Biologia Humana da Faculdade de Coimbra, Portugal esteve
em Palmas no mês de junho para ajudar na análise dos esqueletos.
Segundo ela, as formas como os corpos foram guardados revelam um ritual
pós-morte bastante peculiar. Os enterramentos eram chamados de secundários. Os
indígenas, primeiramente faziam o enterro superficial. Depois que a carne havia
se decomposto, eles tiravam os ossos, lavavam e depois os colocavam em urnas.
“Um prova de que o povo se preocupava com a morte e com seus familiares”,
segundo a antropóloga.
Foram
encontradas quatro urnas, em uma delas tinham três esqueletos – um bebê de seis
meses, o outro de três anos e o terceiro de sete anos. Segundo a antropóloga
física, o fato de ter três restos guardados em uma só urna pode significar o
grau de parentesco entre os mortos. Junto a um dos esqueletos foi encontrado um
objeto, chamado de tembetá, adorno utilizado nos rituais de passagem, para
perfurar o queixo do indígena, que ao fazer 13 anos, passava da infância para a
fase adulta, quando ele já poderia constituir família.
A etnia Guarani não
é originária do Tocantins. Mas, eles são povos semi nômades. De acordo com Ivan
Guarani, 43 anos, integrante do movimento indígena no estado e estudante de
direito na Universidade Federal do Tocantins, este ritual foi perdido no tempo,
pela inserção de outras culturas e pela falta de terra.
A lavagem dos
ossos, na verdade, significa purificação, segundo Ivan. “Quando os portugueses,
também chamados de Paraíbas pelos indígenas, chegaram no Brasil, eles
contaminaram a terra. Quando algum indígena era enterrado, ficava contaminado,
por isso era necessário que os ossos fossem lavados para que as almas ficassem
limpas e fossem em paz”. Ele diz que este ritual faz parte da crença religiosa,
um mandamento do Deus Nhãm Jdará.
Hoje os 46 Guaranis
que vivem no município de Xambioá, norte do Tocantins, dividem a terra com
os Carajás. O grupo, do qual o indígena Ivan faz parte, veio de Mato Grosso do
Sul e fixou moradia no norte do estado. “Os Carajás nos acolheram e a cultura
deles é muito diferente da nossa. Além disso, nós não temos área própria,
razões pelas quais não praticamos mais essa forma de ritual”.
A forma como os
indígenas – Guaranis e Carajás, mais especificamente - enterram os
mortos, nos dias de hoje, é bem parecida com a praticada pelos brancos, segundo
Ivan. O ritual foi mudando com o tempo. “Quando eu era criança lembro que o
índio Guarani era enterrado numa esteira feita de madeira”.
Agora resta saber
de qual época pertenciam os povos que praticavam o ritual de purificação dos
corpos. De acordo com a professora e coordenadora do NUTA, Antônia Custódia, os
exames de DNA, que serão feitos posteriormente revelarão a época em que estes
povos viveram.
NUTA
O trabalho feito
pelo NUTA tem o objetivo de resgatar histórias e fazer um monitoramento
histórico e cultural das regiões impactadas. No local, onde hoje só se vê água
da Usina Hidrelétrica de Estreito foram identificados, antes da
construção da usina, 100 sítios arqueológicos. Além dos corpos, foram
catalogadas cerca de três mil peças artesanais. Os resultados das análises dos achados
serão entregues ao Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.
Fonte: G1